Era uma tarde de sábado perfeita.
O tempo estava ótimo o trânsito também. Chegamos bem cedo ao aeroporto e fizemos
o check in rapidamente, pois não tinha fila. Logo depois chegaram mais três. O
último dos cinco viajantes da “turma do Peru” tinha vindo de carona e estava em
algum lugar do terminal comprando revistas. Nada poderia dar errado, a viagem
tinha sido exaustivamente planejada, todas as passagens, conexões compradas,
albergues reservados, taxas e pacotes para a trilha feitos, lista de contatos,
mapas, máquinas fotográficas profissionais, mochilas, botinas, roupas, etc.
A Cia aérea, estrangeira, pedia uma
antecedência de 2h para fazer o check in. Faltava pouco menos de 1h para o vôo
e o “quinto elemento” não chegava ao guichê da Cia, onde estávamos todos
esperando. Eram pais, irmãos e até avós, além dos viajantes, todos ansiosos e
excitadíssimos. Afinal, era a primeira viagem do grupo ao exterior, pelo menos
sozinhos. Não é todo o dia que um grupo de 5 jovens saindo da adolescência
(dois de 17 anos, com as devidas autorizações dos pais, e três de 18) e que se
conheceram na universidade, fazem uma empreitada dessas. Além disso, dos cinco,
três eram garotas, o que sempre desperta mais receio nos pais quando viajam sozinhas.
O grupo surgiu no Facebook e chegou a ter 9 “membros”, mas os outros foram desistindo
no caminho. A proposta era uma viagem ao Peru, com direito a Machu Picchu pela
trilha das montanhas. Muita aventura e festa. Uma história inesquecível para marcar
o ingresso na maioridade.
Alívio geral, faltavam cerca de 5
minutos para as 13h (o voo saia às 14h) quando avistamos o “quinto elemento”
chegando acompanhado de seus pais. Finalmente estavam todos juntos. Continuamos
a conversar e cumprimentar os pais do rapaz, enquanto ele se dirigia para o
balcão. Faltado menos de 0,5 m (não é figura de linguagem) para ele chegar ao
guichê, um funcionário (estrangeiro) da empresa fechou o guichê. Diante do
espanto do rapaz, o funcionário disse: “são exatamente 13 h e o check-in está
fechado”. De início pensei que não era sério, e nem o rapaz achou, tanto que
continuou tentando falar com o funcionário (este brasileiro) que fazia o check
in. Mas era sério sim, o funcionário estrangeiro continuava dizendo que o
check-in estava fechado porque a companhia pedia 2 horas antes do vôo como
limite para o check in, e a empresa ainda deu uma tolerância de uma hora. Como
era o último vôo do dia, os empregados do balcão estavam dispensados.
Consternação geral!!!
Todos nós (e éramos muitos) fomos
tentar argumentar com o funcionário, dar aquele clássico “jeitinho brasileiro”. Tentamos, com toda a simpatia explicar que o rapaz já estava ali, que todos
viajariam juntos, que isso que aquilo... Nada adiantou, um pai ameaçou
processo, a mãe do rapaz começou a chorar e a se culpar (e também achar que
isso era um “aviso” do além). Os seguranças se aproximaram e não saíram mais de
perto. É claro que nesse ínterim os outros 4 foram para a sala de embarque.
Também falamos no escritório da companhia, e nada. Tentamos falar com o chefe,
sem chance. Uma mãe chamou um amigo que é funcionário da INFRAERO, e ele disse
que não poderia fazer nada, pois a cia aérea é quem definia quem viajaria ou
não nos seus aviões. O resultado é que o avião saiu na hora programada e o
rapaz ficou de fora.
Acabamos voltando para nossas
casas, mas a história não saía da minha cabeça. Por que aquilo aconteceu? De
quem era a culpa? Eu poderia ter feito alguma coisa a mais? Será que foi
excesso ou intransigência do funcionário, embora ele dissesse estar respaldo
pela direção da empresa? Então me lembrei de um caso que aconteceu comigo.
Tinha o voo marcado cedo para irmos para o Nordeste, mas acordamos tarde.
Saimos correndo e, no caminho, já no taxi, liguei desesperadamente para o
aeroporto, tentando “segurar” a saída do avião. É claro que não deu certo, só
conseguimos viajar muitas horas depois. Sim, mais uma vez quem atira a pedra é
o primeiro a ter o telhado de vidro. Quantas vezes nós tentamos contornar uma
situação apenas com o jeitinho? Quantas vezes, com simpatia e uma conversa
mole, procuramos nos safar de uma situação difícil que nós mesmos criamos?
Sinceramente eu me sinto
moralmente inferior por toda a vez que eu “dei um jeitinho”. O jeitinho até tem
seus defensores que veem algum lado bom nele (coloquei alguns links no final do
post). Porém, os argumentos de defesa são muito fracos, apelam para a
flexibilidade e a criatividade do brasileiro, que nunca nos deram uma vantagem
competitiva em nenhum aspecto. Também se fala que o jeitinho é “uma forma de
fugir da opressão dos poderosos”. Convenhamos, tudo é sinônimo de indisciplina
e desrespeito às mais primárias regras de convivência. No verbete da Wikipédia
encontrei a frase que acho melhor explicar o que penso: Os adeptos do "jeitinho" consideram de alto status agir desta
forma, como se isto significasse ser uma pessoa articulada, bem posicionada
socialmente, capaz de obter vantagens inclusive ilícitas, consideradas imorais
por outras culturas.
Voltando ao rapaz que perdeu o
voo, a culpa é dele, é claro. Afinal ele tinha que saber as informações da
viagem que ele mesmo deu a ideia (sim, foi ele que criou o grupo no Facebook). Ele
foi displicente com as suas próprias responsabilidades. É claro que só tinha 18
anos, mas se tem condições de fazer uma viagem de mais de 20 dias para o
exterior, tem que assumir os erros e os acertos. Por outro lado, a culpa também
é nossa (sua também). Nós brasileiros compactuamos com essa falácia do “selvagem
gentil”, que julgamos sermos e queremos convencer o resto do mundo de que isso
nos exime de maiores responsabilidades. Como se tivéssemos que ser sempre
tutelados. Num determinado momento da confusão no aeroporto, o funcionário
estrangeiro disse: “vocês brasileiros acham que podem sempre passar por cima
das normas”.
Mas chega de discurso, e
retornemos para a “turma do Peru”. No dia seguinte, os quatro primeiros
esperaram em Lima pelo “quinto elemento” que conseguiu ir depois, e lá seguiram a viagem todos juntos. A
história deles foi um sucesso, apesar do percalço inicial. Abaixo tem uma foto deles.
FONTES:
Sites com defesas do “jeitinho”: